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Foto do escritorJuliana Caveiro

Dos filtros aos bisturis

Como as redes sociais têm influenciado indivíduos a buscarem por intervenções estéticas no país líder em cirurgias plásticas no mundo




Não é de hoje que os brasileiros são considerados vaidosos e se preocupam com sua aparência de variadas formas. O estudo mais recente (2016) do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), em parceria com a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), sobre autoimagem e consumo, revela que 66,3% dos entrevistados acreditam ser importante ter excelente aparência ao sair de casa, além de que 55,0% dos entrevistados acham importante como outras pessoas veem sua aparência, pois isso diz muito sobre si mesmos. Assim, o cenário não é muito diferente em relação aos procedimentos estéticos cirúrgicos realizados no Brasil.


De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), a década de 1930 foi o marco para a consolidação da especialidade no país, que é devida, em grande parte, ao trabalho do chamado "pai da cirurgia plástica brasileira", o médico José Rebello Netto, um dos pioneiros na prática da pesquisa e capacitação de profissionais desta área. A capital de São Paulo foi o "berço" das operações, tornando-se, mais tarde, a cidade sede da SBCP, em dezembro de 1948, e também da Sociedade Latino Americana de Cirurgia Plástica, em 1941, que hoje é conhecida como Federação Ibero Latino Americana de Cirurgia Plástica.


Uma análise divulgada pela SBCP em 2018, que fornece detalhes a respeito do cenário das cirurgias plásticas no Brasil, revela que o número de procedimentos realizados ao longo dos anos vêm aumentando consideravelmente: no ano da divulgação do censo, o Brasil apresentou um aumento de 25,2% no número de procedimentos cirúrgicos estéticos em comparação com 2016, tendo a região Sudeste como o epicentro das operações, representando mais de 51% do volume total das cirurgias realizadas no período.








O ISAPS (International Society of Aesthetic Plastic Surgery) mostrou ainda, na Pesquisa Internacional sobre Procedimentos Estéticos/Cosméticos, de 2018, que o Brasil tornou-se o país número um em cirurgias plásticas estéticas realizadas em todo o mundo, desbancando o gigante estadunidense - que é o líder no total de cirurgiões plásticos e dos procedimentos estéticos não-cirúrgicos - chegando a quase 1.500.000 de operações em 2018. De acordo com o documento, as cirurgias para o aumento de mama, a lipoaspiração e a abdominoplastia são as mais realizadas em todo o Brasil, seguidas da cirurgia de pálpebra e também da elevação de mama. Dentre os três principais tipos de cirurgias plásticas realizadas (facial, mama, corpo e extremidades) o Brasil lidera, em escala mundial, os números das operações faciais, realizando mais de 448.000 cirurgias anuais deste tipo, ultrapassando grandes e populosas nações, como os Estados Unidos e a Índia.







No mundo todo, as mulheres continuam fazendo mais cirurgias plásticas que os homens, de acordo com o ISAPS, representando 86,5% do total, contra 13,5% do público masculino. Dentre o sexo feminino, as operações mais populares foram o aumento de mama e lipoaspiração, respectivamente com 1.841.098 e 1.482.395 procedimentos no ano.






O grupo que ainda apresenta os maiores índices de cirurgias estéticas é o de indivíduos que possuem dos 19 aos 34 anos de idade, tendo o aumento de mama e a lipoaspiração como as categorias mais buscadas por essa faixa etária. Cabe, no entanto, uma especial atenção ao franco aumento de cirurgias realizadas em meninas de 17 anos de idade, ou mais jovens, que decidem submeter-se ao implante de silicone nos seios: 12,2% do total das cirurgias mundiais são realizadas em mulheres desta faixa etária, tendo o Brasil também com o maior índice de todos, 32,6% de procedimentos do tipo. O ISAPS buscou detalhar os principais motivos que levaram as pacientes a buscar por essa intervenção ainda tão novas, e diante de causas como a micromastia congênita, assimetria severa e a da mama ausente congênita (Síndrome de Poland), venceu o aumento bilateral puramente cosmético (com 32,7% do total).


Para o cirurgião plástico Carlos Eduardo Contato, o aumento da busca dos brasileiros por operações estéticas está diretamente ligado às redes sociais. Hoje, com a quantidade de influenciadores que realizam procedimentos estéticos, divulgando aos seus seguidores como os procedimentos são executados e outras informações, milhares de pessoas são persuadidas e chegam aos médicos com o mesmo pedido. Um fator que tem preocupado os especialistas da área é justamente a busca por cirurgias principalmente por parte das pessoas com menos idade, influenciadas pelas celebridades da internet. “Cada dia que passa, mais meninas jovens procuram os procedimentos estéticos em busca de um corpo ou uma aparência melhor. Acho que isso tem muito a ver com as mídias sociais, e muitas vezes, por autoafirmação”, revela.


Os números apresentados descortinam inúmeras reflexões a respeito da busca, cada vez mais intensa, pela padronização, harmonização e transformação estética. A psicóloga Priscilla Argondizo Sant Ana, especialista em Saúde Coletiva pela faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), explica que essa perseguição pelo “ideal estético” é algo presente em todas as pessoas. "Existe essa questão da superficialidade e da aparência, o corpo como obra de arte. A busca pela beleza é algo inerente a todo ser humano, pois todos querem ser amados, aceitos e admirados", pontua. "Nós ligamos a beleza ao sucesso, à realização pessoal, profissional… Buscar a beleza estética é algo normal, mas é preciso cuidado. Tudo é questão de equilíbrio", alerta Priscilla.


Assim, fatores psicológicos podem estar fortemente atrelados às motivações dos indivíduos que buscam por intervenções cirúrgicas. "Algumas dessas procuras ferrenhas pelo ideal de beleza inatingível podem vir desde a infância ou a adolescência da pessoa. Pode ser um trauma que a pessoa tenha, crises no relacionamento, ou eventos sucessivos que a fizeram se convencer de que uma mudança estética era necessária, como um bullying sobre o aspecto de determinada parte de seu corpo, por exemplo. Quando a pessoa cresce remoendo isso, e ganha condições para consertar, ou transformar, ela vai atrás da cirurgia plástica", diz a psicóloga.

A geração atual, que está fortemente presente nas mídias sociais, em meio ao compartilhamento diário de vídeos, stories e fotos, é cercada por conteúdos e serviços que podem colocar ainda mais à prova a sua satisfação corporal e a sua autoestima.


De acordo com um levantamento realizado pela Opinion Box em 2019, sobre a rede social Instagram, a favorita dos jovens internautas brasileiros, cerca de 67% das 2.035 pessoas entrevistadas revelaram acessar a plataforma várias vezes ao dia. Deste número de entrevistados, 51% seguem influenciadores digitais ligados aos segmentos de moda, outros 49% os influencers “fitness” que produzem os conteúdos de saúde, e 46% seguem os que trabalham com maquiagem e estética. Visto isso, qual a consequência que pode surgir deste contato massivo com os conteúdos digitais?







A relação entre o uso das plataformas digitais e as cirurgias plásticas foi perspectivada por uma pesquisa realizada pela Academia Americana de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva Facial (AACPRF), que apontou que, em 2019, 72% de seus cirurgiões plásticos relataram que pacientes buscaram procedimentos cosméticos a fim de saírem melhor em suas “selfies”. De 2018 para 2019, houve um aumento de 6% no total de cirurgias plásticas faciais realizadas pelos membros da Academia, que creditam estes saltos, em parte, à influência que celebridades das redes sociais, como as irmãs Kim Kardashian e Kylie Jenner, detém sobre a autoimagem de mulheres que fazem os pedidos por intervenções no rosto.


"O Instagram foi desenvolvido para trabalhar fortemente com o recurso de imagem, vídeo, exposição. Ele é feito para admiração! É feito para foto, e foto bonita”, comentou a psicóloga Priscilla Sant Ana. “É uma plataforma democratizadora, onde cada um pode ser uma 'pequena celebridade'. Os 'likes' funcionam como um alimento para a carência de muitas pessoas, que preenchem esse espaço interno com as curtidas em suas postagens, de novo buscando a admiração pelo que aparentam ser", diz a profissional.


Segundo o cirurgião Carlos Eduardo, outro ponto importante que contribuiu para o aumento de cirurgias plásticas não só no Brasil, mas no mundo, é o maior acesso que a população obteve com o decorrer dos anos a esse tipo de operação. “O aumento no número de profissionais cirurgiões plásticos e a diminuição do valor dos procedimentos cirúrgicos ajudaram para esse fenômeno”, observa.


Dentro do cenário da pandemia, uma curiosa constatação foi notada pelos profissionais da AAFPRS, com o aumento no uso de programas de reuniões online à distância, como o aplicativo ZOOM. Em um comunicado à imprensa disponibilizado no site da Academia, médicos associados afirmaram que houve crescimento na demanda por cirurgias de lifting facial, para correções na área do pescoço, um foco de descontentamento para muitos pacientes que se viram incomodados com esta parte do corpo apresentada nas videochamadas.


"O problema real não é a cirurgia", afirma a psicóloga. "Se esse procedimento faz sentido para você, faça! Mas é muito importante avaliar cuidadosa e profundamente as verdadeiras intenções por trás de sua decisão por uma operação", explica. Atualmente, há três tipos de cirurgias plásticas em que se é exigido o laudo psicológico e o posterior acompanhamento para a realização do procedimento: a cirurgia bariátrica, vasectomia ou laqueadura e a readequação genital.


Apesar disso, a psicóloga Priscilla Sant Ana acredita que seria importante, em todos os pedidos por intervenções estéticas, o paciente consultar um especialista da área emocional e psíquica, antes de se submeter aos bisturis: "Comece avaliando sua própria mente. É preciso refletir a sua percepção sobre o porquê de tomar essa decisão, pensar a respeito, conversar com alguém preparado para te ouvir de maneira profissional. Nessa conversa, a pessoa pode ressignificar a sua história com o próprio corpo e a sua autoimagem. Acho que cada pessoa poderia passar por um processo de avaliação psicológica, entender quem você é, e o que você realmente deseja com a cirurgia plástica", completa.



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